Encerramos com esta redação a publicação aqui no blog dos textos integrais das redações que venceram o 1º Concurso de Redação Compare e Floresta de apoio à Cultura 2012.
Aqui segue a redação de de D. Adália Valgueiro Barros vencedora na Categoria Cidadão (prêmio: 1 laptop)
Parabéns, D Adália - que, com seus mais de 70 anos, nos mostra o que é a juventude. Parabéns!
- Não fizemos correções e colocamos o texto na íntegra para não alterar a marca autoral.
DA
MEMÓRIA DE UMA FLORESTANA
Adália Valgueiro Barros
1.
Os
Revoltosos em Fazenda dos Meus Antepassados – Coluna Prestes
Corria
calmamente o ano de 1926,quando o nosso sertão foi surpreendido com a
preocupante notícia de que, vários gaúchos, chefiados por Luiz Carlos Prestes,
haviam chegado a essa região de Pernambuco.
Eram
homens fortes que usando lenços vermelhos no pescoço e portando muitas armas,
percorriam grandes distancias, utilizando os cavalos como meio de transporte. E
que, por onde passavam, deixavam rastros marcantes de destruição. Naquela
época, os meios de comunicação eram precários, principalmente na zona rural. No
entanto, quando alguém sabia de sua aproximação, sempre que possível, tratava
de comunicar aos vizinhos. Esses, por sua vez, reconhecendo a impossibilidade
de enfrentá-los, por contarem sempre com um número menor de pessoas e armas,
achavam por bem juntar mulher, filhos, idosos etc., abandonar a casa e sair com
os familiares em busca de abrigo nas caatingas, onde pudessem sentir-se em
segurança.
Ali
permaneciam, enfrentando sol, chuvas e sérias necessidades, pois, na correria,
muitas vezes a pés, não conseguiam levar roupas e comidas suficientes para uma
estadia mais humana. Ninguém podia falar alto, difícil era manter as crianças
em silêncio para não serem ouvidos pelos invasores. Diariamente enviavam
emissários que, com muito cuidado iam até perto da casa observar se estava
desocupada. E, quando isso acontecia, a boa noticia chegava até o acampamento e
todos retornavam para casa. Ao chegarem, encontravam quase tudo destruído:
louças e objeto quebrados e até incendiados, ossos de animais pelos terreiros
da casa. Eles matavam bois, bodes e carneiros que apareciam para retirar
somente a carne que era transformada em churrasco, prato preferido dos gaúchos.
Na
Fazenda Campo Alegre de minha bisavó – Amélia Epunina Barros (antes pertencente
ao seu genitor Manoel Lopes dos Santos Barros – Seu Né do Campo Alegre), não
foi diferente. Certa manhã, estando ainda todo o pessoal em casa, veio à
desagradável surpresa! Ouviu-se o tropel de cavalos e em seguida, surgiu o
grupo, logo identificado como sendo os revoltosos, pois eram exatamente como os
descreviam. Então, os homens jovens vendo que não poderiam enfrentá-los, os agressores
contavam com um número muito maior de pessoas e que se aproximavam cada vez
mais, temendo um duelo de onde, com certeza, sairiam derrotados e vitimados,
deixaram mulheres, crianças e idosos e indo refugiar-se na caatinga. Naquele
momento, João Lopes Diniz (Tio Jota), muito velho, doente e enfraquecido,
tentou acompanhar os mais novos e saiu de casa, andando lentamente em direção a
roça. Ao passar pela porteira do curral, foi alvejado, tombando sem vida,
naquele mesmo local. Os revoltosos entraram na casa e, ao encontrarem apenas
com mulheres e crianças, lançaram a seguinte pergunta:
- Qual de vocês é parente, mais
próxima, daquele senhor que agoniza ali fora?
Todas
ficaram apavorados, imaginando que seriam exterminadas, tendo em vista a
crueldade que demonstravam claramente, em seus semblantes, aqueles visitantes
indesejáveis, responderam humildemente:
Somos todas da mesma família,
no entanto, esta jovem, Mª Linda de Barros (Sinhara) é sua filha!
Voltando
o olhar para Sinhara, disse o carrasco:
Venha! Nos acompanhe até onde
está o corpo do seu pai, lá, iremos tocar para que você dance ao seu redor!
A
jovem apavorada obedeceu e, não sabendo dançar nem estando em condições
psicológicas para tanto, desmanchou-se em lagrimas, fazendo com que desistissem
daquela má idéia.
Em
seguida, prenderam todo o pessoal da casa em um quarto, sepultaram o corpo de
tio Jota no local onde estava caído e deram continuidade a outras atrocidades.
Uma senhora idosa que cuidava dos afazeres domésticos, temendo pela integridade
das jovens, ajoelhou-se aos pés do Tenente, suplicando-lhe que aconselhasse aos
seus comandados, o respeito total a todas as mulheres presentes. Aquele oficial
concordou, exigindo que permanecessem trancadas onde ele havia determinado,
saindo todas de uma só vez, por alguns minutos para tomar banho e outros atos
necessários, contanto que solicitassem a sua autorização.
Percorreram
toda a fazenda e, na casa em que residia um dos trabalhadores locais,
incendiaram um paiol, contendo espigas de milho seco. Esta casa foi reformada,
mas, até hoje, ainda podemos ver as linhas e caibros com marcas do fogo
(chamuscados).
Passados
alguns dias, decidiram retirar-se, deixando a fazenda Campo Alegre, em direção
a vizinha fazenda Tabuleiro Comprido de Cantidiano Valgueiro dos Santos Barros
(hoje pertencente à Adália
Valgueiro Barros e irmãos), distante 30km da cidade de Floresta.
Durante
essa viagem, um dos componentes do grupo, identificado apenas por Capitão
Preto, foi atingido, no pescoço, por uma bala que o deixou gravemente ferido,
sendo necessário ser levado pelos seus companheiros até o final da viagem
(fazenda Tabuleiro Comprido).
Lá
chegando, encontraram a casa vazia e colocaram o ferido no quarto do alpendre,
onde o mesmo agonizou por quase 03 (três) dias. Perdendo sangue e sem nenhuma
assistência medica, faleceu, sendo sepultado pelos seus colegas, a sombra de
uma quixabeira, em frente a casa, onde ainda permanece, numa simples sepultura,
construída por meu pai, Natanael Valgueiro Barros, sobrinho e genro do antigo
proprietário daquele fazenda.
Após
o sepultamento do companheiro, viajaram, não sabemos precisamente para onde.
Quase
30(trinta) anos depois, meus irmãos e eu, ainda meninos (durante as férias
escolares), costumávamos ir ao referido quarto, olhar as manchas de sangue,
deixadas pelo revoltoso ferido que, devido ao sofrimento, passava as mãos de
cima para baixa nas paredes, onde distinguíamos claramente o rastro de seus
dados. Com as nossas mãos, cobríamos aquelas marcas e para evitar isso, pai
mandou pintar todo o quarto.
Mas,
voltando às atrocidades dos revoltosos naquelas terras, lembramos que, após
percorrerem vários lugares, novamente chegaram a fazenda Campo Alegre,
acompanhados de dois rapazes vizinhos que eram levados presos para ensinar-lhes
os caminhos de outras fazendas. Lá prenderam Antonio Lopes de Barros, idoso e
portador de deficiência mental. Levaram-no a frente dos seus cavalos, e com a
boca dos seus rifles, empurravam o velho para que andasse mais rápido. Vez por
outra, ele caia e com bastante crueldade, faziam-no levantar para continuar a
viagem. Numa dessas quedas, tio Toinho (como era conhecido), bastante ferido e
sem forças, não conseguiu levantar-se. Eles, porém, o abandonaram sobre um
formigueiro, continuando a viagem com os guias (os dois rapazes presos). No
caminho, encontraram uma grande roça de milho. Tiveram a idéia de passar
correndo nos cavalos, por dentro daquela plantação e, foi aí que os dois presos
conseguiram fugir, deixando o bando muito furioso, atirando para todas as
direções, até constataram haver perdido os jovens. Estes, após sentirem-se
livres e sendo conhecedores daqueles caminhos, combinaram voltar até onde havia
ficado o idoso e, disseram:
- Vamos olhar seu Toinho para
levá-lo vivo ou morto até os seus familiares!
Realmente
o encontraram, tremendo de febre, devido aos ferimentos, sem a menor condição
de levantar-se para andar, o colocaram nas costas e seguiram até a casa de uma
de suas irmãs (ele era solteiro). Ela prestou-lhe toda a assistência necessária
para a sua recuperação, deitou-o sobre palhas de bananeiras (por serem frias),
tratou delicadamente as suas feridas. Ele sequer suportava usar as suas vestes.
E, apesar dos cuidados de sua irmã, ele não conseguiu recuperar-se, vindo a
falecer.
Também,
na Fazenda Juá, meu avô paterno (Odilon Valgueiro) foi avisado que tivesse
cuidado, pois, os revoltosos já estavam bem próximos. Ele, imediatamente,
reuniu a mulher e os dez filhos (o mais novo com apenas um ano de idade),
dirigindo-se ao pé da Serra do São Gonçalo, onde montou acampamento. No
momento, uma de suas filhas, casada e gestante, aguardava a chegada do primeiro
filho. Enfrentando muito sofrimento, no meio do mato, levando sol e chuva
nasceu o seu primeiro neto que não sobreviveu.
Enquanto
isso, a casa da família, permanecia ocupada pelos invasores que ali, causavam
grandes prejuízos, como de costume. Finalmente, desocuparam a fazenda e meu avô
pode retornar, com toda a sua família para trabalhar e recuperar os prejuízos
sofridos.
E
assim, por onde passavam, repetiam todas as barbaridades de que eram capazes,
fazendo o sertanejo do nordeste do Brasil, sofrer demasiadamente, sem saber os
reais motivos de tamanha crueldade.
2.
LAMPIÃO:
Tentativa de extorsão ao meu avô materno
Tudo começou com uma
carta enviada por Lampião para o meu avô materno, Cantidiano Valgueiro dos
Santos Barros que residia em sua fazenda Barra da Forquilha, distante 27 km da
sede do município de Floresta.
Nos
primeiros meses do ano de 1938, estando meu avô, envolvido com seus afazeres
diários, chegou a sua residência, um emissário, trazendo uma carta, a ele
destinada, tendo como remetente o cangaceiro Lampião. Eis a carta e a sua
tradução:
“Ilmo. Sr. Cantidiano Valgueiro,
Eu faço
esta para você mandar-me dois conto de reis, isto sem falta, não tem menos,
para você saber se assinar em telegrama contra mim como você se assinou em um
com Gome Jurubeba, Eu vi, e ainda hoje tenho elle sem mais.
Resposte
logo para evitar mais prejuízo seu mês assunto Capitão Virgulino Ferreira - Lampião.”
Ao ler o conteúdo dessa
missiva, viu tratar-se da exigência, sob ameaça, de um certo valor em dinheiro.
E, voltando-se para o portador da mesma que o aguardava, na sala de visitas,
falou:
-
Volte e diga aquele bandido que não enviarei dinheiro algum para ele, pois não sou
o seu pai e, ele resolva lá como quiser, aqui ficarei, a espera da sua decisão.
Por esse motivo, meu avô
tomou algumas precauções e continuou na sua fazenda, aguardando o que
certamente poderia acontecer.
Passados alguns dias,
precisamente às 5h30min, do dia 25 de abril de 1938, estava meu avô no curral,
acompanhado de um dos seus compadres e mais dois amigos, ordenhando as vacas
quando, de repente, um menino que estava sobre a porteira, disse:
-
Eita! Lá vem muitos soldados!
Os trajes dos
cangaceiros eram semelhantes aos dos soldados da volante.
Ao ouvir essas palavras,
meu avô olhou para o terreiro e conheceu que não se tratavam de soldados e sim,
de bandidos e que já se posicionavam, na intenção de cercar toda a casa. Então,
gritou para os companheiros:
-
São os cangaceiros, vamos entrar rapidamente em casa, onde pegaremos as armas
para lutarmos, a fim de proteger as mulheres, as crianças e a nós mesmos!
Quando meu avô foi
passando pela porta, quase foi alvejado, o tiro, a ele dirigido, atingiu a
portada, quebrando-a.
Mas, conseguiram entrar
todos para o interior da casa onde, com bastante cuidado, enfrentaram o
tiroteio, iniciado nesse momento. Vovô e os três companheiros (num total de
quatro homens) corriam por toda a casa, atirando sempre por locais diferentes
para dar a entender que haviam várias pessoas armadas, dentro da casa. Os
bandidos, em números de dezesseis, inclusive uma mulher, eram chefiados pelo
cangaceiro Moreno, escolhido por Lampião para esse ataque. Não sabemos por que
o mesmo, não compareceu e, enviou um de seus “cabras”, de confiança para
comandar o grupo. O tiroteio acirrado, durou alguns minutos, os agressores, aos
gritos, pronunciavam palavrões!
Dentro de casa, as
mulheres, ajoelhadas aos pés do oratório, com muita fé e os seus rosários nas
mãos, chorando, faziam preces a Deus, a Nossa Senhora e a todos os santos, com
suplicas de socorro urgente!
As vacas, no curral,
assustadas, urravam e corriam de um lado para o outro, os seus chocalhos não paravam
de tocar. Foram momentos de muita agonia, não chegava polícia nem ninguém para
defendê-los. Até que os próprios cangaceiros resolveram retirar-se do local,
correndo e sempre atirando, logo se distanciaram pela caatinga. Quando tudo
silenciou, vovô abrindo uma das janelas, quase não distinguiu a paisagem ao
redor pois, uma nuvem de fumaça cobria todo o terreiro da casa.
Com a certeza de que os
invasores haviam se afastados da fazenda, todos puderam respirar aliviados, até
avistarem a aproximação de vários homens, com trajes semelhantes aos da turma
anterior, o que fez com que uma das pessoas que estavam em casa, pensar que os
bandidos estavam de volta. Vovô saiu para ver e conheceu tratar-se da Força
Volante, chefiada por seu compadre Euclides Flor. Este, ao chegar, afirma estar
ciente de tudo, pois no momento do tiroteio, encontrava-se com os seus
soldados, numa fazenda vizinha, distante uns 10 km, dirigindo-se imediatamente
para o local. Mas, como estava tudo encerrado, ele perguntou para onde haviam corrido
e com os seus soldados, seguiram a mesma direção, tentando alcançá-los.
Lampião não mais se
comunicou com o meu avô e partiu, acompanhado do seu bando para Sergipe, onde foi
assassinado alguns meses depois.
Meu avô continuou na sua
fazenda com a família, até falecer, vitima de um infarto fulminante em 1959.